terça-feira, 18 de novembro de 2014

HOMENAGEM DO CAAC (CENTRO ACADÊMICO AMARO CAVALCANTI) DO CURSO DE DIREITO DA UFRN


quinta-feira, 21 de abril de 2011

A CARNE TRISTE DE BERILO WANDERLEY

Nasci a 21/4/34, nesta Natal, aldeiazinha boa para nela se morrer um dia. Infância comum, não fui de maneira nenhuma criança prodígio. Aluno Marista,  enfrentei uma educação literária aquém de medíocre, quando até o Conde de Afonso Celso me fizeram ler e um professor de Português me dizia que ter estilo era com Humberto de Campos. Quando me livrei desses senhores, tive a primeira sensação de que possuía algo de forte dentro de mim, e entrei a resistir ao que me cercava. De lá para cá, procuro fortalecer o meu desprezo pelo ontem para salvar o amanha. E algo assim como desespero e ambição. Formado em Direito, deram-me um diploma, que perdi dentro de um taxi em Madrid. Meu tempo espanhol foi marco inicial desta segunda etapa de minha vida, a primeira que realmente me interessa.
E vendo quanto o meio marca o espírito de um homem, de lá para , desde que voltei, procuro sair de Natal. Minha grande vitória será um dia sair de vez. Experimentei, no Direito, uma Promotoria Publica, onde me desencantei dele e dos homens que Ihe puxam as rédeas, montados sobre seu lombo. Atualmente faço jornalismo, o que, evidentemente, não se pode dizer, com seriedade, que exista na província. Mas é preciso ganhar dinheiro: o gim todo dia sobe de preço.
TN - Como seria sua autodefinição?
BW- Ficou dito muito na apresentação autobiográfica. Aos trinta anos, me pergunto: por que não acerto passe com os outros? O diabo é que não quero acertar. Considero minha inquietação existencial necessária para que eu não termine membro da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras ou Juiz de Direito de uma comarca do interior.
TN - Qual a ponto forte do seu caráter?
BW- Não temer o risco, o imponderável, quando se trata de buscar algo que, de repente, acho que devo buscar. Em Lispector, encontro a definição justa dessa coisa que eu amo: "O sagrado risco do acaso". E através dele que, um dia, "substituirei o destino pela probabilidade".
TN - Como encara o que já realizou em literatura?
BW - Nada realizei em literatura, até agora. Pelo menos, dentro do conceito que tenho de literatura. Fiz poemas, dez anos atrás, como todo mundo, e publiquei um livro como quase todo mundo. Hoje, olho para aquele Berilo e o chamo de imbecil. Mas outros, que até escreveram versos piores que eu, continuam suas guerras de guerrilhas contra a poesia e não se julgam imbecis. Problema deles. Quase dez anos de crônica diária na imprensa me deixaram essa qualidade positiva que utilizo em experimentos de ficção: a intimidade com a linguagem que, um dia, junto a uma técnica que busco, me levara a umas novelas que pense escrever. Por hora, em literatura, situo-me na posição bastante cômoda de espectador e leitor.
TN- Que valor atribui ao cinema?
BW - O cinema e a arte por excelência do homem cósmico. Para este, o cinema cada vez mais tende a tomar o lugar do romance, principal­mente quando consideramos a opinião de uma corrente de críticos literários que dão o romance como gênero extinto desde o fim da Segunda Guerra Mundial, ou pelo menos uma anomalia dentro do nosso tempo. Quer assim dizer que cabe, dia a dia, mais ao cinema, com seus Antonioni, Resnais, Trufaut, Kazan, a responsabilidade de descobrir, perscrutou possibilidades do Homem, observá-Io em suas misérias e grandezas, levar-Ihe mensagens que o animem a lutar contra os Senhores do Mundo e as iras do Tempo.
TN - Os livros fundamentais, na sua opinião?
BW - Livros fundamentais para mim são aqueles que, depois de lidos uma vez, ficam exigindo releituras, vez em quando, ou que marcam minha personalidade e minhas atitudes frente a vida e aos homens: "as Ensaios", de Montaigne, "Em Busca do Tempo Perdido", de Proust, "Moby Dick", de Melville, quatro ou cinco de Dostoievsky, tudo o que já Ii de Sartre.
TN - Faz-se literatura na província?
BW- Não, mas se faz-se, a que se faz o me interessa.
TN – É  necessário sair da proncia?
BW - É necessário para quem não tem a "Universidade do Grande Ponto" como fonte de enriquecimento do espírito e o casamento com dois casais de filhos, televisão e carrinho na porta como "ideal para uma existência completa".
TN - Por que ainda não saiu de Natal?
BW - Uma tentativa frustrada me fez botar de lado os caminhos inviáveis para sair daqui. Na segunda viagem, saberei por onde ir. Por enquanto, abro caminho.
TN - Como julga os possíveis inimigos?
BW - Tenho inimigos possíveis e impossíveis, mas são bem poucos. A uns e outros dão o generoso sentimento de igno-Ios. Não tenho vocação para totalitário: você pode gostar ou não gostar de mim. Mas também me de o direito de gostar ou não de você.
TN - 0 homem está como afirmou alguém, "duas doses abaixo do normal"?
BW - Não sei quem disse isso, mas certamente não será com quem irei conversar para aumentar minha crença no homem.
TN - Por que casou?
BW - Era uma vez um sujeito que amou uma mulher e que, numa certa tarde de sábado, resolveu casar-se, porque o amor persistia e a fórmula de união Sartre-Beauvoir mostra-se inviável para as nossas dimensões pequeno-burguesas. Hoje, com um ano de casado, continuo a gostar da mulher e acho o casamento coisa intolerável. Mas a ele só pego que não mate minhas ambições.
TN - Que desejo formula nessa etapa de sua vida?
BW - Sair de Natal.

segunda-feira, 14 de março de 2011

POEMA QUASE DESONESTO PARA UMA NOIVA


POEMA QUASE DESONESTO PARA UMA NOIVA 

Dentro daquela noite buliçosa,
você passou por mim como uma estrela,
das que rasgam o céu cheias de pressa,
passam correndo, mas deixando o rastro.
E me disseram, lá mesmo na festa
que você já é noiva. Que tem isso?
Há tantas noivas que não são honestas ...

Vá ver seu noivo, antes de mim, de tudo,
Dê-lhe a sua alma e dê-lhe o corpo, até.
Encha·lhe os dedos de carícias virgens
e seja dele as vezes que quiser.
Depois, venha me ver. Na última noite.
Quando seu corpo inda estiver saudável.
Há de encontrar aberta a minha porta,
que não se fecha, desde aquela festa.
Estou deitado, à espera dos seus passos...
(Ah! queira Deus você não seja honesta!...)

                                                        (BW)

quinta-feira, 3 de março de 2011

5 CRUZEIROS


5 CRUZEIROS

            - O senhor me dá outra nota, que essa eu não recebo não.
            - Por que é que não recebe?
            - A nota está muito velha e ninguém enxerga os números.
            - Ah, então você é cego. Porque eu vejo tudinho.
            - Olhe o senhor, até este pedaço está faltando.
            - Mas isto não empata de ler os números. Os números estão é aqui.
            O homem não queria se convencer que sua nota de cinco cru­zeiros estava mesmo sem jeito. Ao meu lado, no banco do ônibus, discutia e discutia, debruçando-se quase sobre mim, a ponto de me atrapalhar a visão e quase o fôlego. O condutor também era in­transigente e queria os dois cruzeiros da passagem.
            - Veja se tem dois cruzeiros miudos aí.
            - Não tenho, não, meu senhor. Se tivesse, não ia puxar esta nota de cinco.
            E ficaram naquela conversa. Palavra prá cá, palavra prá lá.
            Até que, não aguentando mais aquele homem teimoso debruçado para cima de mim, pedi-lhe a nota, rasguei-a em pedacinhos e disse-lhe:
           - Deixe que lhe pago a passagem.
           O que eu queria era acabar de vez com aquela zoada em ci­ma de mim. Sabem que não gosto de zoada. Se não sabem, fiquem sabendo agora, porque pode qualquer um de vocês que me lêem, um dia viajar comigo, em qualquer estrada da vida. Então não fa­ça zoada. Mas, voltando ao ônibus e seu passageiro teimoso. Quan­do tinha rasgado a nota e pago quatro cruzeiros, por mim e por ele, e já me julgava tranquilo, o tal homem bate-me no braço e diz:
           - O senhor está me devendo 3 cruzeiros.
           - 3 cruzeiros de que?
           - Ora, o senhor rasga meus 5 cruzeiros, paga 2 de minha
passagem. Cadê o troco?
           - Que troco? - perguntei já começando a querer acreditar na matemática do homem.
           - O troco dos meus 5!
           - Meu amigo, - tentei lhe explicar - eu quis lhe fazer um favor, porque aquela nota não prestava mais. O senhor é que podia me dever 2 cruzeiros. Mas, não deve nada.
           - Não deve nada o que? O senhor quer me enganar com 3 cruzeiros.
           Antes que o homem falasse alto e todo o ônibus soubesse que eu o queria "enganar com 3 cruzeiros", puxei miudos e lhe dei, convencido de que não dou mesmo nem para fazer caridade nem para matemática.
(BW)
COMO UM OLEIRO

             Invado a casa de Dorian Gray e, de repente, me vejo cercado de cores, cores e cores. São cores que se alastram pelo chão, sobem pelas paredes, avançam sobre nós, como a querer devorar-nos. São telas, são tapetes, são mosaicos, são murais enormes se agigantan­do sobre uma parede e que parecem querer rasga-la e ganhar a rua, o mundo.
              E ali é o mundo desse homem que vive em febre permanente de pintar, de traçar esboços, olhos voltados unicamente para as co­res de onde arranca a beleza que sua sensibilidade e seu talento fazem cada dia mais renovada. Me espanta a capacidade de reno­vacão sobre o que fez ontem desse inquieto pintor, que me acostumei a admirar numa amizade lenta e que vem de muitos anos. Me espanta descobrir cada vez que vejo um trabalho novo de Dorian Gray uma feição diferente uma experiência nova, que o faz nunca repetido sobre si mesmo. Agora mesmo, nesta visita que faço ao seu atelier, o pintor mostra-me umas pinturas sobre madeira, fei­tas com uma técnica que não sei exprimir nem repetir aqui, e que nem parecem ser do mesmo artista, que pintou aqueles quadros em volta.
              Ninguém vê Dorian Gray dispersando tempo, na rua. Vive na sua oficina, como um operário dedicado ao trabalho sob as ordens severas de um patrão severíssimo. Esse patrão que deve ser - só se explica assim - o amor confiante que tem da obra que faz. Es­se mesmo amor que leva um oleiro a permanecer de olhos vidra­dos na jarra que brota do barro que se molda nas suas mãos, en­quanto a roda da sua engrenagem gira e gira, a esquecer-se do mundo que grita, se transforma e se desmorona à sua volta.
               E a casa de Dorian, tem essa feição antiga de casa antiga, va­randas cheias de calma, jardins adormecidos ... Onde, parece, a gente está sempre vendo que - como diz o 'poeta Dorian Gray.­"humilde alguém se assenta a um canto e fica a escutar a música das árvores e a lua que chega" .
(BW)