quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

BERILO, O AMIGO - Luís Carlos Guimarães



BERILO, O AMIGO

            Este telefonema me acordando nesta manhã de 20 de julho foi uma bofetada, uma incisão funda na carne, a ferida que não posso imaginar quando vai cicatrizar. Do outro lado da linha, a voz amiga de Dalva de Oliveira, doida na comoção da terrível notícia, me dizia o irremediável: "Lula, Berilo morreu de um enfarte, pela madrugada". Leda, ao meu lado, teve a suficiente coragem para saber os pormenores do acontecimento, que eu, desarvorado, estava possuído pela sensação do nada.
            É difícil - e como dói? - falar de um verdadeiro amigo numa hora dessas. Daquele amigo que escolhemos para ser o nosso irmão de todos os momentos. O eleito da amizade. O muito que se diga é pouco, mais ainda quando se trata de Berilo Wanderley, cujo o espaço humano ocupado na minha amizade e no meu coração ultrapassa todas as medidas da estima e da ternura. O puro que ele era, a alma transbordante de generosidade. O jornalista, o cronista, o poeta que escondia seus poemas, o ficcionista que nunca mostro sua novela. Uma sensibilidade mergulhada na música popular brasileira. A do tempo de Noel, Geraldo Pereira, Wilson Batista e Pixinguinha. O pai de Alexandre, Rômulo (o poetinha), Henrique e Milena. Grande demais para uma vida tão pequena.
             Guiado pela sua amizade pude compreender o muito de religioso que tem a bondade. Quem não perceberia isto em sua companhia? Neste momento, invoco o testemunho de Woden, Grácio, Celso, Mirian, Sanderson, Diógenes, Dorian, Zila, Meira, Jardelino, Navarro, Melquíades, Rubens Lemos, Eulício, para falar só daqueles que mais constatemente fruíam de sua convivência. E se não bastasse a palavra desses amigos, ninguém melhor para confirmar o que digo do que Maria Emilia, sua admirável mulher. Mary (como ele só ternura a chamava), que ao lado do poeta demonstrava que dois são um, pela dádiva, o mistério e o milagre do grande amor que os unia.
              Vai passar muito tempo para que eu acostume com a morte do meu amigo Berilo Wanderley. Afinal, são quase trinta anos de andanças pelos mesmos caminhos.
               A preferência pelos mesmos autores, pelas mesmas músicas, pelos mesmos filmes. O comum vinho da amizade bebido quase todos os fins de semana. É bom pensar, Berilo, que você apenas tenha partido e cultivar a esperança de um impossível reencontro.
               Quem sabe, vou supreendê-lo qualquer dia, na manhã de seu jardim, entre passarinhos, a renovar a água e o alpiste nas gaiolas. Talvez entre seus discos, livros, quadros, batucando na velha máquina a crônica diária para o jornal. Ou num ato de vera premonição vou encontrá-lo às onze horas, como de costume, no barzinho do Nogueira. Berilo velho de guerra, na última vez em que estivemos juntos, o que você queria dizer citando o verso de Rimbaud: "Je suis de la race qui chante dans le suplice".
(Luís Carlos Guimarães)

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