segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

BERILO WANDERLEY - Woden Madruga

         Amanhã, 20, faz trinta anos da morte do poeta e cronista Berilo Wanderley. O Sebo Vermelho está reeditando o seu livro de estréia, Telhado do Sonho,  seu primeiro e único livro de poemas, publicado em 1956. O lançamento será no começo da noite de terça-feira, 21, no Lula Restaurante. Berilo começou no jornalismo nas páginas de Tribuna do Norte, ainda nos anos 50. E aqui escreveu a sua última coluna, Revista da Cidade, 20 de julho de 1979. Era uma sexta-feira. Berilo morreu no amanhecer  deste dia. Tinha 45 anos.  No sábado dediquei todo espaço do Jornal de WM à memória do querido amigo e companheiro. No mesmo rastro das saudades perenes, repito hoje o texto:
           “Lá se foi Berilo. Inacreditável a notícia de sua morte que nos chega como uma paulada ou um choque nos deixa entre incrédulo e brutalizado. Luís Carlos Guimarães, vizinho de frente, me tira da cama com o primeiro choque: Berilo teve um enfarte violento. Cinco minutos depois volta chorando: o poeta morreu!
            Eram sete horas. Meia hora depois, ele deveria, como fazia todas as manhãs, chegar à redação com sua coluna diária. Morrera às cinco, quando mais ou menos acordava, madrugador habitual, para escrever a sua “Revista da Cidade”. Foi com este título que há 23 anos começou a fazer jornal aqui mesmo na Tribuna do Norte.
            Berilo andava pela redação dando os primeiros passos na reportagem. A “Revista da Cidade” era uma coluna que eu assinava todos os dias já há algum tempo. Fui passar uns meses em Maceió e ele ficou de interino. Quando retornei, o poeta havia conquistado o espaço. A crônica leve, descontraída, o estilo simples, enxuto, a ironia fina, a farpa bem colocada, estava no gosto do leitor. Mexia com os assuntos do cotidiano, descobrindo tipos que ele encontrava pelos becos e bares da Cidade, contando histórias, registrando acontecimentos, ocorrências literárias da província, as primeiras descobertas da noite, a boemia entre amigos, recados para Maria Emília nas entrelinhas de suas anotações ou nos versos que publicava.
             Sexta-feira outra, uma noite na casa de Leda e Luís Carlos Guimarães, seus velhos amigos e companheiros, bebíamos vinhos e falávamos sobre os bons amigos. Luís Carlos era outro encantado com a prosa de Berilo. Este mesmo tema ocupou um bom pedaço de tempo de uma conversa que tive com Zila Mamede, na Fundação José Augusto. Berilo tinha que publicar o seu livro de crônicas. Difícil era convencê-lo, passar pelo seu despojamento, um pessoa sem vaidades. Berilo não pensava em publicar livro nenhum. Mas nós iríamos topar a empreitada.
           Quinta-feira conversamos pela última vez, aqui mesmo na redação, no começo da tarde. Veio trazer a “Revista da Cidade” de domingo, pois o Segundo Caderno dessa edição era fechado na sexta. Demorava pouco, entregava a matéria e se perdia num dedo de prosa com os colegas: literatura, cinema, música popular brasileira, vinhos. Era o que gostava de conversar. Quando não, quedava-se em ouvir e sempre o fazia assobiando um chorinho, um samba, qualquer outra música que apreciava. Na nossa conversa derradeira da quinta-feira folheamos juntos o último livro de Hélio Galvão e ele, que não era muito de elogiar, não deixou de admirar a profundidade o valor da obra. E discretamente como entrou, deixou a redação como um até logo.
           Éramos amigos há 26 anos. Conheci-o em rodas de poetas e boêmios na calçada da Sorveteria Cruzeiro. Berilo se destacava do grupo e chamava a atenção de todos não somente pela inquietude e a ironia fina, mas também porque gostava de usar uma varinha de bambu como se fora um marechal de campo. Mas a nossa amizade se firmou mesmo quando fomos convocados para servir no Exército. Decididamente foi o soldado mais desengonçado que passou pelo 16º. Regimento de Infantaria. O grupo está todo aí: Márcio Marinho, Varela Barca, Tota Zerôncio, Daniel Diniz, José Erb Ubarana, José Mesquita Filho, Aildo Gibson, Walderedo Nunes. Dos que me lembro agora enquanto tento, Deus sabe como, escrever essas coisas. Éramos os responsáveis pelo máquina burocrática do Regimento. O poeta exatamente, imagine, o encarregado do serviço do protocolo.
          Depois foi a fase da Faculdade de Direito. Fazíamos um jornalzinho “subversivo”, acho que a primeira experiência de imprensa alternativa. “O Porrete” era o nome do jornal, todo mimeografado e que nos dias mais incertos e inesperados aparecia causando furor nas salas de aulas do velho casarão da Praça Augusto Severo, onde hoje, veja só, funciona a Secretaria de Segurança. Foi por esse tempo, me parece que em 1956, que o poeta publicou o seu primeiro livro, Telhado do Sonho.
          O poeta navegava no seu lirismo. Tinha 22 anos de idade. Foi o único livro que publicou. Depois, o jornalismo foi consumindo o poeta. Nascia o excelente cronista, o crítico literário, o crítico de cinema, dividindo o tempo com uma promotoria pública e uma boemia que sempre o acompanhou. Esteve na Europa fazendo um curso no Instituto de Cultura Hispânica. Entre outras coisas, voltou doutor em vinhos, doutoramento que o levava quase religiosamente ao generoso balcão do bar de Nemésio, o espanhol. Também andou por terras de São Paulo e Rio de Janeiro, fazendo jornalismo. Mas o apelo da terrinha foi mais forte. Veio e retornou ao jornalismo diário e ao ensino.
            Fui reencontrá-lo na Fundação José Augusto, ensinando no Faculdade de Jornalismo Eloi de Souza. Depois na UFRN para onde fomos juntos com o curso. Quando assumi pela terceira vez editoria de Tribuna do Norte, nesta atual fase, fui buscá-lo na A República para assinar a sua “Revista da Cidade” em nosso Segundo Caderno.
           Nos últimos anos, conversávamos praticamente todos os dias. Ou aqui na redação ou pelas alamedas e salas de aula do Campus ou nas casas dos amigos comuns. Fora do trabalho, nos encontros sociais ou nos desencontros dos restaurantes e bares da Cidade, ele sempre ao lado de Maria Emília, sua mulher, companheira, amiga, um namoro do qual sou testemunha de seu nascimento. Trocávamos livros sobre os quais fazíamos comentários e tínhamos o mesmo gosto pelos bares quase vazios e uma queda para apontar o ridículo da província.
          Berilo Wanderley morreu aos 45 anos de idade. Deixa Maria Emilia, sua mulher, quatro filhos menores, sua mãe, Dona Maria Amélia, o irmão Gilberto. Deixa uma saudade enorme nos amigos, companheiros e uma legião de admiradores. Deixa uma enorme vazio nesta Cidade, hoje muito mais carente de valores humanos. Berilo morreu dormindo. O seu coração parou no alvorecer de Natal. Neste instante da tragicidade da vida, caberia aqui cantar um verso de um de seus poemas: “Passa o alento, passa o vento, já não sou”.

(Woden Madruga - 19/07/2009)

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