domingo, 19 de dezembro de 2010

REVIVENDO BERILO WANDERLEY - João Batista Machado


REVIVENDO BERILO WANDERLEY

           Berilo Wanderley passava invariavelmente todos os dias pelo "boteco do Vicente", na Av. Rio Branco, proximidade do Diário de Natal - naquela época funcionando na Ribeira, e ditava uma recomendação: "bota uma cerveja no congelador juntamente com um copo de aluminio". Às 13 horas, com os trabalhos da redação encerrados (o jornal era vespertino), Berilo chegava ao bar, enchia o copo, virava-se para o muro do Salesiano e erguendo-o, como se fosse um troféu, dizia solenemente: "Obrigado, Senhor, eu não mereço tanto!"
            A cerveja descia macia pela garganta sedenta. Repetia esse ritual diariamente, acompanhado de outro colegas, após cumprir missão de fechar o jornal do "britânico" Luiz Maria Alves, que detestava o local, onde seus repórteres e funcionários faziam o "extra" à tarde e a noite. Seguiam Berilo, Sanderson Negreiros, João Gualberto, Alexis Gurgel, Rubens Lemos, Domício Ramalho, Paulo Tarcisio, Silvino "o gordo", eu e outros companheiros.
             Era uma figura marcante para nossa geração que o tinha como irmão mais velho. Fazia tudo dentro de um jornal, Copydesk, redator, crônista, crítico de cinema, chefe de reportagem, editor. Desempenhava essas funções com competência. Excelente titulista, era capaz de fazer vários, quase ao mesmo tempo, com uma rapidez incrivel e sempre acertava na primeira vez. É dele a frase famosa, quando alguém tentava e desistia: "O título existe, basta procurá-lo".
             Uma das coisas boas que o jornalismo me permitiu, foi conhecer figuras como Berilo Wanderley. Ele conseguia ser ao mesmo tempo, introvertido e brincalhão. Numa mesa de bar sua presença era imprescidível. Adepto da MPB, gostava de batucar com seus dedos ágeis, cantalorando sucesso de Pixinguinha, Noel Rosa, Ataufo Alves, Cyro Monteiro, com ritmo e cadência, régua e compasso.
             Tive o prazer de trabalhar com ele nas redações da Tribuna do Norte e Diário de Natal, onde aprendi não só lições de jornalismo, mas de humanismo. Berilo era desprovido das vaidades materiais e vestia-se com simplicidade franciscana e não era a toa que seu nome era Francisco. Sempre com bom humor mexia com um colega ou outro dizendo uma prosa: "Poeta, termine logo pra gente tomar uma".
              Conviver com ele foi uma das coisas mais boas de minha vida profissional. Simples, descobridor e frequentador de "botecos", dentre eles o bar do Nazi, na Cidade Alta, de quem era amigo e freguês assíduo. Detestava bares e restaurantes requintados, com exceção de Nemésio, de quem era íntimo, usufruindo das regalias do espanhol. Morou durante um certo tempo, na década de 60, em Madrid e estreitou ainda mais seus laços de amizade com Nemézio que, como ele, também era apreciador de bons vinhos.
               Não gostava de futebol nem de política e fugia de qualquer mesa quando os assuntos eram abordados. Porém, por mais incrivel que possa parecer, o poeta era frequentador de um bar em Madrid, onde o atacante Vavá tinha presença assídua após as vitórias do Atletico de Madrid. No bar, eles se conheceram e ficaram amigos. Anos depois, contando-me o fato, perguntou-me: "Machadinho, quem é Vavá?", eu respondi que era jogador de futebol, bicampeão do mundo e que fazia sucesso na Espanha. "Bom, basta! Tomei muito porre com ele".
               Pelo episódio acima citado pode-se notar que era completamente desligado de certas coisas. Pôs anúncio no jornal para vender seu velho "Dauphine" e o interessado foi procurar o poeta em sua casa em um sábado à tarde, horário inconveniente para tratar de negócio com o boêmio. O cidadão apresentou-se a sua mulher Maria Emilia e iniciou a negociação.
               O poeta foi acordado pela conversa dos dois em torno da venda. Maria Emilia elogiando o carro e o comprador, logicamente, tentando reduzir o preço. Berilo acorda, levanta-se, vai até onde estão os dois e diz, enfaticamente: "Meu amigo, vá embora que esse carro não vale nada, dá mais despesa que uma familia, procure coisa melhor e me deixe dormir".
                Voltou para o quarto e deixou Maria Emilia desesperada e o comprador atônito. Assim era a figura de Francisco Berilo Pinheiro Wanderley, que pediu demissão do cargo de promotor público, para não ter que acusar o próximo, fato inédito do Ministério Público. A função era incompatível com seu temperamento. Nunca o vi falar mal de ninguém. O máximo que dizía quando alguém comentia um deslize era a frase que ele já tinha na ponta da língua: "Não está sabendo envelhecer com dignidade". Sinto falta da sua presença amiga nas minhas caminhadas pelos os bares da vida. 
(João Batista Machado)
                

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