domingo, 23 de janeiro de 2011

LES BOUQUINISTES

            PARIS, 5 de janeiro - Quem vai a Paris, não pode deixar de percorrer os "bouquinistes" das margens do Sena. Identificam a cidade e dão-lhe um tom de lirismo despreocupado. Os tabulei­ros escuros se enfileiram, unidos uns aos outros, sobre os paredões do rio, e logo de manhã cedo, se não faz chuva, destampam-se aos turistas que por ali passam e ao próprio francês que os conhecem bem, expondo livros velhos e novos, estampas antigas, reproduções de mestres da pintura, aquarelas de pintores anônimos mostrando recantos da cidade. Em alguns, a especialidade da casa: novelas pornográficas, confissões de alcovas de condes, marquesas e ca­mareiros enfim toda essa fogosa literatura, graça de pobres estu­dantes solitários e mocinhas feias.
             Um "bouquiniste", para mim, é, no fundo, um escritor frustrado. Talvez, com seu romance inédito dentro da gaveta. Com que desvelo eles nos falam daquele escritor de quem seguramos, com interesse, um livro no momento. Nota-se em seu discurso que há menos interesse de vender, que, mesmo de tornar patente as qualidades do "Les Fleurs du Mal", que está em todos os tabulei­ros, nas mais diversas edições de um Balzac sempre solicitado, e cujo prestígio entre a freguesia é inconteste.
             Subindo ou descendo Paris, eu cruzava pelos "bouquinistes". Uma edição velha e barata de um bom autor, vez por outra me fa­zia parar. E ali ficava a percorrer outros volumes, com esse mes­mo prazer antigo com que sempre remexi em estantes de livrarias. Se em Natal mesmo, entro diariamente em livrarias, não é tanto para ver se algum livro novo chegou. É pelo gosto de remexer em edições que não são minhas, mas que estimo. E quem muito reme­xe, sempre está descobrindo uma coisa boa. Quantos livros bons que se tem não foram achados assim, à toa!
               Mas, falava era dos "bouquinistes". A um deles, comprei uma aquarela de um pintor anônimo. Nada de arte, no desenho, apenas preocupado de mostrar, numa forma de emoção bem-in­tencionada, um trecho de sua cidade, ou um ser dessa mesma ci­dade que ele, o pintor, amou. E acima de tudo, a necessidade de alguns francos para o pão de cada dia e o teto de cada noite.
(BW) 

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