sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

O MENINO E SEU PAI CAÇADOR


O MENINO E SEU PAI CAÇADOR 


            O homem amava as caçadas, através das manhãs e das matas da fazenda. O menino amava acompanhar o pai, feliz à sua som­bra altiva e amiga, uma espingarda ao ombro, chapéu de abas lar­gas na cabeça, bornal de lona caindo do ombro, carregado de munições; outro, ligeiro nas pernas e no olhar, para correr e apanhar o marreco que caía depois do tiro certeiro.
            O açude prateava suas águas mansas e os marrecos navega­vam lá, felizes e descuidados. O menino cismava, olhando as aves e, um dia, descuidou-se a ver um casal delas, em idílio na margem da lagoa. Enquanto o pai se embrenhava, através das juremas, ele ficou ali, calado, mãos nos bolsos das calças curtas.
            Os dois marrecos - marreco macho, marreco fêmea - idi­lionavam como só sabem amar as aves, isto é, através de cantos brejeiros e volteios no corpo bailarino. Como deviam amar os ho­mens se fossem mais sábios e mais poetas. O menino sentou sobre uma pedra a ver. O céu da fazenda era azul, dos galhos das jure­mas e pereiros vinham cantos matinais de toda a espécie. Cantos emplumados.
            De repente, um tiro. O menino voltou o rosto. O pai chegara e, por trás de uma moita, na traição sorrateira dos homens caça­dores que estão com todas as vantagens sobre a sua presa, tinha acertado no marreco macho. Parou o canto, parou o bailado. Pa­rou o tempo nos olhos do menino.
            O homem espera a ação do menino companheiro. A carreira em busca da caça tombada. O menino não sai da pedra onde esta­va. Diante dos olhos dos dois, um marreco que sangra, e outro que ensaia um avoar assustado. O açude é sereno e manso, como se to­das as coisas continuassem em seus lugares e o ritmo da vida não tivesse sofrido nenhum golpe.
           Não houve guisado de marreco, naquele dia na casa cercada de amplas varandas e de ventos uivantes. O homem deitou-se nu­ma rede e ali ficou, o dia inteiro, livro diante dos olhos, como fa­zia sempre que voltava das caçadas e ficava a esperar o almoço. Mas silencioso como as tardes mornas da fazenda. O menino, a partir daquele dia, aprendeu a cismar mais demoradamente sobre coisas que não entendia bern, mas sabia que estavam bem acima da dor que fere o mundo e maltrata a paz das coisas.
           Na outra manhã, beijou o pai, preparou o seu bornal, ajei­tou-1he o chapelão na cabeça. Mas o homem partiu sozinho e inse­guro para a mata.
(BW)

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