quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

AS VIZINHAS

AS VIZINHAS

            Acordei com uma vontade de conversar com todo mundo, de sorrir com todos e de dizer coisas engraçadas. Ao abrir a janela do quarto, que se escancara para um pomar cheio de frutos e de pássaros, gozei toda a alegria da manhã, que vinha doce e terna, como uma canção cantada por uma mulher bonita, de manhã cedo. Mas, não havia moça, nem bonita, nem feia, cantando nessa manhã. A vizinha ainda estava de janelas fechadas e, decerto, nem sentia a força do sol batendo num abraço quente, sobre o seu quarto. Como ninguém cantava e os passarinhos de todas as manhãs não vieram soltar seus madrigais nos verdes do pomar, pensei em assobiar qualquer coisa. Lembrei-me de uma valsa velha que minha mãe me ensinara há muitos anos, e assobiei. Já depois, saía pela rua, à procura da fila de ônibus, e me encontro com a velhinha magra e baixa. Mora perto de minha casa, e sua casinha também é igual a ela: baixa e magra.
            - Como vai, moço, com sua felicidade? - perguntou-me a boa velha, sorrindo santamente.
            A pergunta mansa da vizinha antiga deu-me uma vontade danada de dizer que ia bem, coma felicidade. Porque eu vou bem, mas sem ela. Ir bem com a felicidade já é ter muito. E quem sou eu, moço de olhos pobres e coração amável, para poder encontrar felicidade, como muita gente encon­tra, em toda esquina? Já me conforta ir bem e poder responder sorrindo a boa velha, e cantar de manhã cedo quando os canários não cantam, em meu pomar. Continuo andando e, na esquina, a moça que varre a calçada, de chinelos e vestido aberto na cintura, num desleixo matinal que Deus perdoa, olha para mim, vira o beiço e diz achar que estou engordando. Sorrio e paro, um instante, para lhe dar "bom-dia". Ela escora-se à vassoura e me confessa que está triste, nessa manhã. A primeira tristeza que encontro e logo perto de casa. Mau, muito mau. Não quero entristecer por causa da tristeza da moça de cintura aberta. Quando ela fala que brigou com o noivo, na noite anterior, tranqüilizo-me, porque sei que o noivo volta. E saio, conformando-a:
            - Não se aperreie por isso, menina. Seu noivo voltará. Nem que seja para fechar-lhe a cintura.
            Ela deu um muxoxo e voltou a varrer a calçada. E eu vou varrendo da lembrança a tristeza da moça, tão desnecessária nessa manhã e continuo andando, sentindo remorso de não ter mentido à velha. Eu devia ter dito que a felicidade ia comigo. Não custava nada ter dito.
(BW) 

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