quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

SAÚNAS NO CAIS


SAÚNAS NO CAIS

             O sol quebra-se por trás do rio, que corre, lento quase cansa­do. Meu rio de águas sujas no qual o poeta Itajubá, em época mais distante, via um lençol azul de águas diáfanas que o inspiravam para bonitas estrofes. Na beira do cais, absorvo o cheiro de ma­resia, que se mistura ao dos peixes que se estendem, olhos de vi­dro arregalados, sobre as tábuas das barracas.
           Um pescador bêbado, como gostam de viver os pescadores, puxa conversa ao meu lado e aconselha-me uma cioba de corpo róseo tão lânguido, que faz lembrar o corpo de certas mulheres quando se espreguiçam na areia da praia. Corpo de mulher esten­dido na areia - quantas canções, quantos poemas já inspiraste e quantas e quantos hás de inspirar ainda! Cadê os poetas e os can­tores da minha terra, para virem cantar as ciobas e as mulheres róseas e lânguidas?
           Digressões com cioba e mulher à parte, estou no cais, en­chendo os pulmões de maresia, e, antes de levar a cioba para casa, aceitando os conselhos do velho pescador, penso em Dona Elvira, e sinto saudade das saúnas fritas que gosto de ver chiar dentro da enorme caçarola tisnada.
           Atravesso a torta e barulhenta Rua da Floresta recebo a agres­são de uma radiola que manda para o ar uma paixão desesperada que, neste momento, Aguinaldo Timóteo nutre não sei por quem ... e eis que estou diante da casinha da gorda e corada Elvira. Maçãs do rosto rosadas, de tanto ficarem diante do braseiro dos pei­xes, me recebem com o riso aberto de velha e imorredoura amiga.
           Diante dela, diante de mim, a separar-nos, peixes dourados de dendê e tapiocas de uma pureza imaculada. Tudo é felicidade no coração deste guloso, transbordando de apetite. É a hora de esque­cer as angústias e os cansaços. A cerveja chega geladinha e ex­plode numa festa de espuma dentro do copo. Em volta nas pare­des, os santos e os representantes do sincretismo religioso que a dona da casa cultiva. Ela, toda sorrisos traz as saúnas e a tapioca. O molho de pimenta malagueta também é imprescindível.
            Do fundo da rua, uma voz de cantor que não conheço ester­tora, machucada de amor.
(BW)

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