quinta-feira, 3 de março de 2011

MEU RIO DE INFÂNCIA

MEU RIO DE INFÂNCIA

            Que amargura saber, eu distante, que o rio Santa Cruz corre violento por debaixo da ponte, cantando suas águas barrentas de encontro às pedras daquela serra que ele contorna, lambendo os barrancos das margens, carregando em seu dorso troncos de árvores enormes, corpos de bois pegados de surpresa no seu itinerário vertiginoso! Que tristeza, eu longe, sem poder ver do alto da ponte meu rio de infância, que me acostumei a amar, nas tardes de inverno, quando, vencendo as recriminações de minha mãe, corria pela estrada do trem, para vê-lo, enorme, do alto da minha pequenez, mais pequeno ainda pela minha inocência e meus olhos ainda não gastos, nas coisas amargas do mundo, sentindo pelo coração ainda não sofrido. Ah, meu rio Santa Cruz que as minhas calças curtas molhou!
             Ah, meu triste e revoltado rio em cujas águas meus lábios gastaram seus primeiros beijos! Ah, meu insatisfeito rio,onde descobri o primeiro símbolo do homem na vida, em querer avançar sem saber para onde nem como, mas altivo e otimista.
             E lembro e recordo na memória o cenário em volta. O Cabugi coberto pela chuva, a água escorrendo das vertentes dos serrotes, a molecada correndo em gritaria pelo campo descoberto, é lá adiante o açude se enchendo, onde as moças iam tomar banho, nuinhas, soltando gritos denunciadores de sexo em efervescência. E ninguém as molestava pois todos só ligavam para a chuva que caía. Ninguém, muito menos o menino de calças curtas que não lhes compreendia a beleza.
             O meu rio continuava resfolegando, fazendo suas águas doerem de encontro às rochas, como faz hoje doer o homem, distante da infância e de uma vida onde as borboletas e os pássaros é que me preocupavam. Hoje, tenho outro rio para olhar: esta vida em vertigem.
(BW)

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