quinta-feira, 3 de março de 2011

O GATO E EU

           O GATO E EU

             Eu viajei com um gato, ou melhor, éramos três: eu, o gato e a senhora gorda. E foi num trem. Voltava eu, de alguns dias de bucolismo, na Fazenda Santa Cruz, que se deita sonolenta aos pés do Cabugi. Era um dia de trem calmo e, no vagão em que eu estava, quase ninguem havia. Eu, sozinho, no meu banco, dividindo a minha distraçao entre um romance de Eça de Queiroz e a mata crespa, que corria, célere, pelo retângulo da janela. Foi quando, em Baixa Verde, entrou aquela senhora enorme, de vestido encar­nado e renda na barra, com um pequeno saco, a boca feita em nó e uma cesta pequena. O saco ela jogou debaixo do banco. A cesta, acomodou-a sobre o assento, entre ela e eu. Resultado: nem mais paisagem, nem leitura. É certo que depois que o trem partiu procurei reconciliar-me com Eça. Mas, a mulher de Baixa Verde não sossegava, botando a cesta pra lá e pra cá. E eu já querendo saber o que diabo havia ali dentro. Uma toalha branca se cosia à  boca da cesta, escondendo um segredo que não me preocupou, até enquanto a mulher não se pôs a ter cuidado com ela.  
              Lá para as tantas, não sei o que a locomotiva viu diante do trilho, que estremeceu toda, espirrando fumaça e água quente. Com o sacolejo da máquina, o nosso vagão estrebuchou, meu livro caiu fora, a cesta da mulher virou e de dentro ... pulou um gato. Um gato preto que, depois de olhar assustado para a dona e para mim, saiu correndo por debaixo dos bancos. A dona do bicho pediu-me auxílio E por sua parte, a delicadeza humana pediu que eu atendesse. E saí com a matrona, procurando o gato, que já começava a me esquentar o sangue. Eu e a mulher. Os outros passageiros apenas olhavam, decerto porque não sabiam o que era delicadeza humana.
               Fui encontrar o bichano, escondido debaixo do último banco, lá no fim do carro. Agachei-me com os joelhos no chão, e meti o braço no escuro. O gato zangou-se e mandou-me um arranhão, de lembrança. A danada da mulher só sabia dizer: "Bichano, psiu, psiu ... " Ate que criei coragem e trouxe o gato. Agarrei o diabo preto, de bigodes enormes, olhos que só lembravam aquele seu irmão do conto de Edgar Poe. Voltei, com a mulher me olhando e quando estava a mete-lo na cesta, o bicho esquentou-se, desprendeu-se de minhas mãos e saltou a janela, ficando para trás, sozinho, na estrada.                  
               Aí, a mulher gorda danou-se. Imediatamente esqueceu minha ajuda (oh triste e inutil delicadeza humana!...) e cobrou-me cinquenta cruzeiros pela gato. Dei-Ihe vinte.
               E ainda dizem que gato preto não dá azar ...
(BW)

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