Nasci a 21/4/34, nesta Natal, aldeiazinha boa para nela se morrer um dia. Infância comum, não fui de maneira nenhuma criança prodígio. Aluno Marista, enfrentei uma educação literária aquém de medíocre, quando até o Conde de Afonso Celso me fizeram ler e um professor de Português me dizia que ter estilo era com Humberto de Campos. Quando me livrei desses senhores, tive a primeira sensação de que possuía algo de forte dentro de mim, e entrei a resistir ao que me cercava. De lá para cá, procuro fortalecer o meu desprezo pelo ontem para salvar o amanha. E algo assim como desespero e ambição. Formado em Direito, deram-me um diploma, que perdi dentro de um taxi em Madrid. Meu tempo espanhol foi marco inicial desta segunda etapa de minha vida, a primeira que realmente me interessa.
E vendo quanto o meio marca o espírito de um homem, de lá para cá, desde que voltei, procuro sair de Natal. Minha grande vitória será um dia sair de vez. Experimentei, no Direito, uma Promotoria Publica, onde me desencantei dele e dos homens que Ihe puxam as rédeas, montados sobre seu lombo. Atualmente faço jornalismo, o que, evidentemente, não se pode dizer, com seriedade, que exista na província. Mas é preciso ganhar dinheiro: o gim todo dia sobe de preço.
TN - Como seria sua autodefinição?
BW- Ficou dito muito na apresentação autobiográfica. Aos trinta anos, me pergunto: por que não acerto passe com os outros? O diabo é que não quero acertar. Considero minha inquietação existencial necessária para que eu não termine membro da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras ou Juiz de Direito de uma comarca do interior.
TN - Qual a ponto forte do seu caráter?
BW- Não temer o risco, o imponderável, quando se trata de buscar algo que, de repente, acho que devo buscar. Em Lispector, encontro a definição justa dessa coisa que eu amo: "O sagrado risco do acaso". E através dele que, um dia, "substituirei o destino pela probabilidade".
TN - Como encara o que já realizou em literatura?
BW - Nada realizei em literatura, até agora. Pelo menos, dentro do conceito que tenho de literatura. Fiz poemas, dez anos atrás, como todo mundo, e publiquei um livro como quase todo mundo. Hoje, olho para aquele Berilo e o chamo de imbecil. Mas outros, que até escreveram versos piores que eu, continuam suas guerras de guerrilhas contra a poesia e não se julgam imbecis. Problema deles. Quase dez anos de crônica diária na imprensa me deixaram essa qualidade positiva que utilizo em experimentos de ficção: a intimidade com a linguagem que, um dia, junto a uma técnica que busco, me levara a umas novelas que pense escrever. Por hora, em literatura, situo-me na posição bastante cômoda de espectador e leitor.
TN- Que valor atribui ao cinema?
BW - O cinema e a arte por excelência do homem cósmico. Para este, o cinema cada vez mais tende a tomar o lugar do romance, principalmente quando consideramos a opinião de uma corrente de críticos literários que dão o romance como gênero extinto desde o fim da Segunda Guerra Mundial, ou pelo menos uma anomalia dentro do nosso tempo. Quer assim dizer que cabe, dia a dia, mais ao cinema, com seus Antonioni, Resnais, Trufaut, Kazan, a responsabilidade de descobrir, perscrutou possibilidades do Homem, observá-Io em suas misérias e grandezas, levar-Ihe mensagens que o animem a lutar contra os Senhores do Mundo e as iras do Tempo.
TN - Os livros fundamentais, na sua opinião?
BW - Livros fundamentais para mim são aqueles que, depois de lidos uma vez, ficam exigindo releituras, vez em quando, ou que marcam minha personalidade e minhas atitudes frente a vida e aos homens: "as Ensaios", de Montaigne, "Em Busca do Tempo Perdido", de Proust, "Moby Dick", de Melville, quatro ou cinco de Dostoievsky, tudo o que já Ii de Sartre.
TN - Faz-se literatura na província?
BW- Não, mas se faz-se, a que se faz não me interessa.
TN – É necessário sair da província?
BW - É necessário para quem não tem a "Universidade do Grande Ponto" como fonte de enriquecimento do espírito e o casamento com dois casais de filhos, televisão e carrinho na porta como "ideal para uma existência completa".
TN - Por que ainda não saiu de Natal?
BW - Uma tentativa frustrada me fez botar de lado os caminhos inviáveis para sair daqui. Na segunda viagem, saberei por onde ir. Por enquanto, abro caminho.
TN - Como julga os possíveis inimigos?
BW - Tenho inimigos possíveis e impossíveis, mas são bem poucos. A uns e outros dão o generoso sentimento de ignorá-Ios. Não tenho vocação para totalitário: você pode gostar ou não gostar de mim. Mas também me de o direito de gostar ou não de você.
TN - 0 homem está como afirmou alguém, "duas doses abaixo do normal"?
BW - Não sei quem disse isso, mas certamente não será com quem irei conversar para aumentar minha crença no homem.
TN - Por que casou?
BW - Era uma vez um sujeito que amou uma mulher e que, numa certa tarde de sábado, resolveu casar-se, porque o amor persistia e a fórmula de união Sartre-Beauvoir mostra-se inviável para as nossas dimensões pequeno-burguesas. Hoje, com um ano de casado, continuo a gostar da mulher e acho o casamento coisa intolerável. Mas a ele só pego que não mate minhas ambições.
TN - Que desejo formula nessa etapa de sua vida?
BW - Sair de Natal.